Raquel Araújo nasceu no 13 de janeiro, uma capricorniana que faz muito jus ao signo: estudiosa e fascinada por novos desafios. Desde pequena já mostrava seu amor por esportes, jogando futebol na rua descalça com as outras crianças. Mas foi na escola que aprendeu a competir, participando das equipes de futebol, handebol, vôlei e basquete. A paixão continuou sendo levada a faculdade: quando cursava graduação em matemática na Universidade de Brasília, aproveitava para jogar qualquer coisa que os jogos internos oferecessem.
Especialmente o handebol a proporcionava muito contato, o que gerava vários cartões amarelos e 2 minutos fora de quadra. Por esse motivo, em 2011, um amigo tinha acabado de fundar o Alligators – time de flag de Brasília – então, decidiu chamá-la para jogar algo com ainda mais contato. “Na época que entrei, nem sabia o que era touchdown”, disse. “Foi bem na formação do time, então fiquei lá desde o primeiro treino. Começamos pelo 5x5, que é a modalidade sem contato, e o 8x8. Eu fui mais por conta do 8x8, mas como ele não vingou, acabei jogando o 5x5 mesmo”.
Dali para frente é um amor incondicional que já tem mais de 10 anos. Raquel descobriu no futebol americano diversas oportunidades de crescimento, seja pessoal, como atleta, dirigente, árbitra ou, até mesmo, técnica. Raquel é um dos grandes nomes do FABR feminino, um exemplo de força, foco e determinação. Não é à toa que sua maior inspiração como atleta na NFL é Tom Brady: “o livro dele foi uma virada de chave para mim. Ele nunca foi o cara com talento, mas sempre foi o primeiro a chegar no treino e o último a sair, treinava repetidamente. Não me considero uma pessoa com talento, mas tive que treinar muito, então me vejo como uma pessoa persistente”.
Em 2014, com seu desempenho pelo Alligators, na época como linebacker, ela foi chamada para o training camp da Copa do Mundo de Flag 5x5, no entanto 8 seriam cortadas e ela acabou saindo nesse corte e não participando do evento. Como sempre buscou entender suas dificuldades para trabalhar e evoluir, o ex Head Coach da Seleção, Dan Muller, disse que ela precisava trabalhar melhor recepção, pois, embora fizesse boa cobertura, acabava dropando muito a bola. “Foi assim que fui jogar de wide receiver, decidida a treinar recepção”.
Essa não convocação foi um divisor de águas em sua carreira como atleta, que a trouxe muito mais motivação em seguir seus objetivos e, hoje, seu maior objetivo é representar o Brasil em alguma competição internacional: “é por isso que treino muito, que estou deixando de beber, que me alimento bem. Minha idade, querendo ou não, já está avançada. Quando minha disciplina falha, eu procuro lembrar que tem 200 meninas competindo comigo e 90% delas são mais novas do que eu, então preciso me dedicar para ontem”. Ela sempre teve muita dificuldade de organizar o tempo, que sempre foi sua maior problema no esporte. Então, para conseguir alcançar seu objetivo, foi fazer cursos de otimização de tempo para melhorar a rotina e treinar melhor.
Raquel é extremamente versátil em campo. Já jogou como linebacker, wide receiver e hoje, como atleta do Brasília Pilots, é oficialmente running back. No entanto, com um roster pequeno e um bom condicionamento, as vezes ela tem que jogar toda a partida, atuando tanto no ataque, quanto na defesa e special teams. Já teve ocasiões que em uma só partida ela jogou de wide receiver, running back, retornadora, long snapper, gunner, bloqueadora, linebacker e cornerback. “As meninas acabam deixando a desejar no condicionamento físico por ser um esporte amador, mas eu aguento o jogo inteiro - geralmente treino tiro embaixo do sol de meio dia. No Brasil, quem ganha os campeonatos é quem tem o melhor condicionamento”.
Assim como se tornar atleta de Futebol Americano foi algo que surgiu ao acaso, a arbitragem seguiu o mesmo caminho. Ela foi árbitra durante 5 anos, até 2019, quando teve que pedir um tempo para organizar a vida de atleta, trabalho, presidência do Pilots, pós-graduação e especialização. A carreira na arbitragem começou sem querer: “Na época, meu namorado era arbitro e eu era presidente do Aligators. Ia ter um jogo amistoso, os meninos iam apitar e eu ia fazer um networking. Um dos árbitros faltou sem avisar e meu namorado falou ‘a Raquel sabe apitar, ela nunca apitou, mas conhece o jogo e as regras’ e eu fui, gostei e decidi continuar. Os meninos super incentivaram porque era bom ter uma mulher para apitar os jogos do masculino. Hoje em dia não tem mais espaço para amadorismo na arbitragem e eu fico feliz, uns anos atrás não daria para imaginar isso”.
As coisas nem sempre foram fáceis para a Raquel no meio do FABR. Nos primeiros anos (2014/2015) ela passou por diversos comentários machistas, principalmente na arbitragem, “em um jogo que fui apitar em Minas, tinha um grupinho de jogadores que falou ‘com uma árbitra dessa eu quero mais é fazer falta para tomar flag mesmo’. Não consegui ver quem falou, então não podia aplicar nada. Contei para os outros árbitros, que ficaram indignados, então advertimos o HC da equipe”. Mas essa não foi a única ocasião, também era comum jogadores quererem ficar do lado dela no hino, cantadas e comentários desagradáveis.
“Com o tempo, esses comentários pararam. Hoje eles tentam respeitar e elogiar mais a gente para não ser chamado de algo [machista]. Eu não sei como é com as meninas que começam, mas, como já estou há muito tempo nesse meio, sempre deixei minha postura clara. Acredito que o mundo está mudando, hoje eles têm medo de serem recriminados até pelos próprios amigos”.
O FABR ainda tem a missão de conquistar o nicho que assiste NFL. O que você acha que está faltando?
Tem muita gente que acompanha NFL e não faz ideia de que existe FABR. Eu acho que a divulgação do campeonato não é feita do jeito correto, mas a liga BFA conseguiu trazer visibilidade, principalmente nos intervalos de jogos na ESPN, então acredito que já estamos trabalhando no lugar certo. Inclusive, a ESPN renovou com a BFA para quando os jogos voltarem, acredito que conseguiremos um espaço maior por conta dessa visibilidade. Os times têm que trabalhar melhor o marketing e precisamos de mais visibilidade na televisão, focando no público que gosta de NFL. Pelo esporte ser amador, os times se comportam como amadores. Mas, no Pilots, estou trabalhando muito para mudar essa mentalidade. Tudo bem que somos uma liga amadora, mas queremos chegar no profissionalismo, então precisamos trabalhar pesado nisso. Também acho que devemos conquistar o público nas escolas, nem que seja o flag, para conquistar um público maior (base, torcida, mais vendas). Meu maior sonho como dirigente é ver o esporte se tornar profissional: os atletas recebendo, as diretorias trabalhando exclusivamente naquilo – na minha diretoria, por exemplo, a gente só pode dedicar 10 horas por semana porque é um “hobby”, você tem que dedicar o seu tempo livre.
Que conselho você daria para as próximas gerações?
Treino e estudo. É importante realizar um treino completo: prática na grama, estudo em casa e alimentação. Inclusive, eu diria que alimentação é 50% do seu rendimento, pois, você pode treinar muito, mas se não se nutrir direito, respeitar o descanso e o tempo do seu corpo, você não será a melhor atleta que pode ser. Acredito que a melhor liderança seja pelo exemplo e, por isso, sempre tento postar minha dieta e meus exercícios, quero ajudar na motivação das meninas.
"O sucesso nasce do querer, da determinação e persistência em se chegar a um objetivo. Mesmo não atingindo o alvo, quem busca e vence obstáculos, no mínimo fará coisas admiráveis". José de Alencar
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